“A Câmera de Claire” e a foto-recordação

Esses dias vi um filme onde sul-coreanos vão conhecer Cannes. Nessa viagem, uma moça chamada Manhee descobre que foi demitida por sua chefe (Yanghye) pois, mesmo que a ache de bom coração, considera-a desonesta.
Ao “acaso” (importante), o marido da chefe, o diretor Wan-Soo, encontra uma moça chamada Claire, que vem de uma região diferente da França a fim de assistir ao Festival homônimo que populariza a cidade. A francesa passa um tempo com o casal e, entre bebidas, percebe algumas características que, por conta das particularidades de cada relacionamento, destacariam-se. O caso aqui é grave: depois de tê-la traído, Wan-Soo não consegue mais enxergar Yanghye de forma romântica. Mesmo assim, a deseja como amiga e companheira de trabalho, afinal, ainda compartilham carinhos e afetos apesar de tudo. Claire, então, empunha uma câmera e começa a fotografá-los. E é aí que as coisas ficam mais interessantes!
Hong Sang-Soo usa de uma “encenação do acaso” para estabelecer, centralizando no cotidiano, uma identificação melodramática interessantíssima. Assim, captura, por meio de diversos dilemas morais, circunstâncias que se relacionam diretamente com o público que o assiste.
“A Câmera de Claire” – agora deu para entender o título – analisa as metamorfoses ocorridas no nosso dia a dia. Claire afirma que suas fotos, uma vez capturadas, representam a realidade de um determinado momento. Após tirarmos, nós não somos os mesmos. É sobre, também, olhar para o passado sob uma diferente ótica; mudar e, mesmo assim, instigar-se em ver o que fez de errado e, assim, não repetir isto no presente. É uma ferramenta que, através de uma certa linguagem, coloca uma vírgula na História. Ao mesmo tempo que Claire captura alguém que transfigurou-se, também podemos dizer que ela se transforma a cada “clique” que dá. De atriz a poetisa e, por fim, fotógrafa. A Arte que sente e faz sentir.
As transformações no mundo são constantes, não delimitadas por “acontecimentos relevantes”. A Historiografia não se pauta por eventos específicos. Nem o Cinema por movimentos. Nem as nossas vidas por “divisores de água”. Por isso os detalhes, os pontos e vírgulas, sempre me instigaram tanto…

Publicado originalmente em 29/03/2024

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