
Eu posso desabafar com você?
-Óbvio que pode, não tem nenhum problema nisso.
Agarro a mão dela, e, lentamente, as palavras começam a escorrer da minha boca:
-Você já encontrou felicidade fazendo algo importante? Já se sentiu feliz e orgulhosa de terminar um trabalho importante? Porque faz tempo que eu não sinto isso. A gente vive numa cultura que visa a quantidade acima da qualidade; o capital acima da arte; a exploração acima da saúde; o trabalho acima da vida e, a cada dia mais, parece que a minha rotina suga toda a minha energia e eu não tenho tempo pra focar no que amo, entende? Esse momento agora… eu amo você e eu… amo que você está aqui e está… me escutando e…
-Pode chorar, não precisa continuar falando, vai ficar tudo bem – ela diz, atenciosa
-Não, eu tô… bem – passo, levemente, um pano sujo rosado nas infiltrações indesejadas – eu só queria dizer que… eu tô cansada, mas tô amando estar com você aqui porque… eu sinto que estou desperdiçando uma das únicas coisas que está me dando um norte nisso que chamamos de vida e esse momento está sendo… especial? Para de me olhar com essa cara, eu não sei me expressar com palavras, ok?
-Eu sei que não – ela fala, desabrochando a flor do riso e espalhando o néctar de felicidade por aquela ponte desabrigada sistematicamente – mas eu já senti sim felicidade fazendo algo que eu gosto que, olha só, está sendo ultimamente ficar encarando um oceano caçado e poluído e fazendo poesia e refletindo com a minha namorada numa noite amena e sem muito sentido. Mas eu não te julgo por se sentir assim, é normal. Não vamos ser felizes à todo instante e entender disso é entender que a vida não é 100% preto e nem 100% branco: é um cinza – não homogêneo, mas misturado e completamente miscigenado. Apesar de tudo, obrigada por compartilhar suas experiências comigo.
Você é especial para mim! – senti borbulhando daqueles lábios
Helena e Amanda <3
Publicado originalmente em 30/03/2023